Sueli acendeu a luz do banheiro. Os olhos, recém-acordados, mal conseguiam distinguir seu próprio rosto no espelho.
Ainda precisava se acostumar.
Logo começou a tomar forma atrás de si o apartamento novo, mal mobiliado com o básico: um colchão no chão, o fogão e a geladeira de segunda mão que encontrou em um daqueles anúncios “família vende tudo”.
Era o que acontecia quando se saía de casa carregando na bolsa pouco mais do que o orgulho, por tanto tempo deixado de lado.
Achou que fosse sentir falta dele, da casa, de todas as coisas que compraram ao longo de 15 anos de relacionamento, mas o silêncio era mais confortável do que ela poderia imaginar.
Pela primeira vez em muito tempo, sentia como se não precisasse prestar contas a ninguém.
A geladeira ainda estava praticamente vazia, fora algumas garrafas d’água, iogurtes e duas latas de cerveja. Mas ela não precisava cuidar do café da manhã de ninguém.
Ou do almoço.
Ou do jantar.
As roupas, espalhadas pela casa, entre malas, chão e cama. Mas ela não precisava se importar com o que ninguém ia pensar sobre a bagunça. Principalmente as visitas.
Pra que perder seu tempo planejando faxinas se ela sequer tinha uma vassoura?
Sueli olhou-se no espelho como se confirmasse que era real. Tudo estava na mais perfeita desordem, mas o mundo não tinha acabado.
Ainda estava ali.
Jogou uma água no rosto.
Olhou o relógio, ainda faltavam 2 horas para a entrevista.
Tinha tempo para tomar um banho, escolher uma roupa, arrumar o cabelo, fazer a maquiagem, aprender quem ela era depois de tanto tempo sendo tanta coisa menos ela.
Tinha todo o tempo do mundo.
Um dia de cada vez.