quinta-feira, 5 de outubro de 2017

Sua

Sueli acendeu a luz do banheiro. Os olhos, recém-acordados, mal conseguiam distinguir seu próprio rosto no espelho. 

Ainda precisava se acostumar. 

Logo começou a tomar forma atrás de si o apartamento novo, mal mobiliado com o básico: um colchão no chão, o fogão e a geladeira de segunda mão que encontrou em um daqueles anúncios “família vende tudo”. 

Era o que acontecia quando se saía de casa carregando na bolsa pouco mais do que o orgulho, por tanto tempo deixado de lado. 

Achou que fosse sentir falta dele, da casa, de todas as coisas que compraram ao longo de 15 anos de relacionamento, mas o silêncio era mais confortável do que ela poderia imaginar. 

Pela primeira vez em muito tempo, sentia como se não precisasse prestar contas a ninguém. 

A geladeira ainda estava praticamente vazia, fora algumas garrafas d’água, iogurtes e duas latas de cerveja. Mas ela não precisava cuidar do café da manhã de ninguém. 

Ou do almoço. 

Ou do jantar. 

As roupas, espalhadas pela casa, entre malas, chão e cama. Mas ela não precisava se importar com o que ninguém ia pensar sobre a bagunça. Principalmente as visitas. 

Pra que perder seu tempo planejando faxinas se ela sequer tinha uma vassoura? 

Sueli olhou-se no espelho como se confirmasse que era real. Tudo estava na mais perfeita desordem, mas o mundo não tinha acabado. 

Ainda estava ali. 

Jogou uma água no rosto.

Olhou o relógio, ainda faltavam 2 horas para a entrevista. 

Tinha tempo para tomar um banho, escolher uma roupa, arrumar o cabelo, fazer a maquiagem, aprender quem ela era depois de tanto tempo sendo tanta coisa menos ela. 

Tinha todo o tempo do mundo. 

Um dia de cada vez.