quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Hora extra

Carolina olhou o relógio do celular por hábito. Eram 5 da tarde, mas ela sabia que ainda teria de ficar até tarde no escritório.

Estava no emprego novo há quase 3 meses e, pela primeira vez, era responsável por cuidar do relatório final  do departamento. Muita responsabilidade, mas ela tinha esperado por isso ansiosamente. Sinal de que sua chefe finalmente confiava nela o suficiente. 

Parou pra pegar um copo d'água e uma xícara do café horroroso da máquina, a única bebida que podia consumir de graça, e voltou pra mesa. Olhou novamente o relógio. Maldito hábito. 

Dessa vez tinha mensagem na tela. 

Era Bruno, pra avisar que teria que furar com ela. De novo. Precisava terminar alguns trabalhos na agência. 

Sair com publicitários era como sair com médicos, diziam. Não que ela já tivesse saído com médicos. Ou com publicitários. 

Merda, ela tinha esquecido que tinha marcado com ele. Estava tão focada no tal relatório que ficou feliz até quando recebeu a mensagem da irmã avisando que não passaria em sua casa com filmes e pizza. Não que ela se lembrasse de ter combinado alguma coisa com ela também. 

Carolina tinha passado por muitos empregos detestáveis antes de conseguir a entrevista que a levou ao atual. As amigas a julgavam por isso, mas ela sentia como se estivesse vivendo um sonho e pouca coisa a fascinava tanto quanto o trabalho no momento. 

Era difícil convencê-la a fazer qualquer coisa naqueles últimos meses, dava pra contar nos dedos os convites que aceitou pra beber ou jantar ou ver um filme que fosse. E poucas eram as pessoas que ela queria ver. 

Bruno apareceu sem querer, uma amiga os apresentou. Eram feitos um pro outro, ela disse. Gostavam das mesmas coisas, aparentemente. As conversas realmente eram legais. Basicamente online, já que ambos tinham pouquíssimo tempo pra marcar de se encontrarem no mundo real. Mas eram boas conversas mesmo. 

Ele era engraçado. E parecia bonito pelas fotos. Corpo legal. Não que ela ligasse pra essas coisas. 

Quando saíram a primeira vez, tentaram achar um meio do caminho entre os trabalhos de ambos. Assim ficaria fácil pra todo mundo. Ou menos complicado. Nada chique ou romântico em comer petiscos e tomar cervejas de garrafa, mas quem tinha tempo pra romance?

Não transaram. Deixaram essa parte pra um segundo encontro. Ou terceiro. A verdade é que ela tinha uma reunião no dia seguinte cedo e ele tinha uma apresentação que ainda não tinha terminado de montar. Ia virar a noite fazendo isso. 

Marcaram o segundo encontro. Ela desmarcou. Marcaram de novo. Ele desmarcou. Marcaram de novo. Choveu. Marcaram de novo. E de novo. E de novo. 

Daí o relatório. E ela esqueceu de desmarcar. Tudo bem. Ele estava desmarcando. 

Ela olhou pra tela do celular mais uma vez. Estava feliz com a mensagem. 

Não que não estivesse interessada nele, mas um relacionamento definitivamente não era seu foco no momento. 

Rascunhou a resposta infinitas vezes na cabeça, digitou e deletou algumas outras tantas, até a tela piscar de novo.

- Não fica chateada?

Deu um gole no café horrível - e agora frio - e, finalmente, escreveu. 

- Claro que não. Eu entendo. 

Pontuou com uma carinha feliz e,antes de voltar pro seu relatório, completou. 

- Remarcamos?

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Debora olhou pra todos os lados, pra confirmar se estava sozinha. Já era tarde, nenhum conhecido por perto. Sentou-se na mureta da igreja na esquina da rua onde trabalhava. Abaixou a cabeça, apoiou-a sobre as mãos e começou a chorar tudo o que estava preso no último mês.

A verdade é que não aguentava mais sorrir e posar de forte quando se sentia tão sozinha e desamparada. Queria conversar com alguém, mas todos os seus amigos estavam distantes. Não só fisicamente, mas de sua realidade. Seria como tentar entender um episódio daquele seriado que você ficou tanto tempo sem assistir.

Começou a perceber o cheiro das velas derretidas. Estava sentada bem do lado do lugar onde as pessoas vão acender velas. Aquele cheiro de cera, do pavio queimado, de esperança, desespero, fé, promessas, tudo misturado.

Queria acreditar em Deus, ou em alguma coisa. Talvez fosse mais fácil, teria pra quem contar suas coisas. Ou pedir. Mas pedir o que, se nem ela sabia qual era o problema?

- Você está bem, minha filha?

Debora tinha procurado rostos conhecidos, mas tinha esquecido da senhorinha que ficava na igreja vendendo as velas na entrada.

- Estou sim. - Disse, enxugando as lágrimas.

- Aqui não é um lugar muito bom pra se estar sozinha a essa hora.

- Eu sei, eu só precisava parar um pouco.Já estou saindo.

- Calma, fica sentada mais um pouco. Também não é boa ideia sair por aí chorando desse jeito.

- Não é nada. Eu tava só precisando botar pra fora um pouco. Às vezes faz bem, né? Dizem.

- Faz. Faz mesmo.

- Sabe, eu acho curioso quem vem aqui, pega essas velas e acende, faz uma prece, uma promessa, sei lá o que se faz, na verdade, e sai daqui esperando ser atendido. Funciona? Nunca vi funcionar. Mas as pessoas saem daqui com uma tranquilidade, como se tivessem passado o problema pra frente, pra mão de outro.

- Não sei se vejo assim, mas acho que você não acredita em Deus, não é?

- Não muito, desculpe. Tenho 27 anos de motivos pra não acreditar.

- Eu entendo. Respeito, até. Tenho 56, trabalho voluntariamente nessa igreja faz 20, desde que casei. Meu marido morreu tem 5 anos e me deixou uma pensão gorda, não preciso me preocupar com trabalho, então posso me dedicar ainda mais a isso. Gosto, sabe? De entregar as velas nas mãos das pessoas como se estivesse passando um pouco de esperança. Elas fazem isso por fé, minha filha. Como você chama?

- Debora.

- Acho que tem um pouco de desespero, sim. Às vezes. Mas não vejo como passar o problema pra frente, vejo mais como aceitar que tem coisas que não dependem só de você e que talvez você não precise carregar toda a responsabilidade do mundo sozinha sobre seus ombros.

- Eu queria acreditar nisso.

- Você é bem nova pra ser tão descrente.

- Será?

- Quer acender uma vela?

- Mas já disse que não acredito em Deus. Não sei nem como rezar, ou sei lá o que se faz.

- Não precisa acreditar em Deus pra isso. Ou rezar. Faz assim. Acende a vela e pensa no que está te atormentando. Olha bem pra chama da vela enquanto isso. Não será um pedido, uma promessa, uma prece. Será um guia pra te iluminar o caminho, pra te ajudar a encontrar isso que você tanto procura.

- Eu quero paz.

- Todos queremos, filha. - Disse a mulher passando a mão sobre os cabelos de Debora como um carinho.

Ela se levantou, ajeitou o vestido e pegou a bolsinha de moedas, em busca de trocados.

- Quanto é a vela?

- Não precisa se preocupar com isso. Essa é por minha conta.

Debora acendeu a vela e deixou pingar aquela primeira gotinha de cera pra fincar sua base ali naquele pedestal. Nunca tinha feito aquilo antes, mas já tinha visto sua avó e sua mãe fazerem. Fechou os olhos um pouco antes de olhar fixamente pra chama e pensar em tudo que a havia levado às lágrimas, àquela mureta.

Não sabia explicar porque estava tão perdida, nem sabia se aquilo tudo faria alguma diferença. Conversar com aquela senhora a tinha deixado mais calma, pelo menos naquele breve momento.

Talvez ela precisasse de perspectiva. Talvez tudo aquilo fosse mesmo passar. Talvez a vela iluminasse seu caminho e tudo fizesse sentido amanhã, ou o tempo que precisasse pra que aquilo tudo fizesse efeito, ela não sabia ao certo.

Ou talvez sua confusão se derretesse com a cera e se misturasse com o pavio queimado, a esperança, o desespero e a fé de tantos outros.

Por enquanto, ela estava mais calma.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Outra

Vadia.

Queria te encontrar pela frente e que você cruzasse o meu caminho só pra eu poder te dizer isso na cara. Que eu te odeio.

Te odeio por estar tão feliz nas fotos com ele. E por ele parecer tão feliz do teu lado.

Porque tenho certeza de que você não é tão burra quanto eu gostaria que fosse e porque você é mais linda do que deveria ser. As pessoas deveriam ser proibidas de serem assim tão magras, altas e loiras.

Te odeio por saber andar de bicicleta e poder fazer com ele todos os passeios que eu nunca fiz por não ter aprendido a pedalar sem rodinhas.

Porque o cheiro do whisky dele não te dá náusea, já que você bebe a mesma marca. E por gostar de carnaval. Eu sempre fugi dos blocos que ele insistia em frequentar e, confesso, muitas vezes fiz ele abrir mão de alguns pra ficar comigo em casa.

Eu podia sentir a frustração nos olhos dele.

Te odeio por ouvir dos amigos em comum que ele nunca esteve tão feliz. E por eu achar que realmente seja verdade.

Porque você talvez seja a esposa do meu marido e a mãe dos meus filhos e a dona da minha casa.

E eu te culpo por isso.

Porque eu já cansei de me culpar.

Vadia.