sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Ontem

Abriu os olhos pra reparar que não sabia bem onde estava. Era um quarto estranho, ainda na penumbra das 6 da manhã de um horário de verão. Estava acompanhada, mas também não reconhecia o rapaz ao seu lado.

Levantou-se meio cambaleante. Talvez tivesse bebido demais na noite anterior. Onde foi mesmo? Ah, naquele bar perto do trabalho. Olhou de novo pra cama e lembrou com quem havia ido embora. João, o carinha novo do financeiro. Passou duas semanas flertando com ele até receber o convite para uma cerveja depois do expediente.

Marcela era daquelas mulheres irresistíveis. Não necessariamente linda, mas extremamente sensual e confiante. Uma jogadora nata. Fazia seus homens acreditarem que ela era a conquista, quando eram eles suas vítimas.

Poucos conseguiram passar ilesos por ela. O que queria, conseguia.

E dessa vez era João. Carioca recém-chegado em São Paulo, ainda queimado da praia que demoraria muito para rever, sotaque gostoso e aquela marra típica de homem que consegue qualquer mulher que quiser.

Marcela evitava envolver-se com colegas de trabalho, mas João era bom demais para ignorar.

Foram catorze longos dias trabalhando o terreno, se deixando ser levada. Até que, enfim, a cerveja.

Muitas cervejas. Algumas tequilas, uma dose de whisky?

O hotel perto do bar? Não. Estavam na casa dele. Havia fotos na bancada do quarto. Quis, sinceramente, que a moça na foto fosse irmã, e não uma namorada deixada no Rio. Dane-se. Problema dele, não dela.

Foi ao banheiro, fez xixi, jogou uma água no rosto e tentou entender onde estavam suas roupas no quarto ainda escuro. Tropeçou numa cadeira. Ele tinha sono pesado, ainda bem.

Vestiu-se e saiu com os sapatos na mão para não arriscar que ele acordasse com o barulho do salto.

Já eram quase 7h e ela ainda tinha que tomar banho, ir à academia e à terapia antes do trabalho.

Pensou em deixar um bilhete, mas desistiu. Escreveria o que? Pra que complicar? Se ele a procurasse no trabalho, diria que não estava procurando um relacionamento, que acabou de sair de um namoro longo.

Torceu pra que fosse uma namorada na foto.

Já estava atrasada.

E precisava de um café.


quarta-feira, 21 de novembro de 2012

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

(De) Novo

Madalena sentia falta das coisas simples da vida, dos sentimentos leves.

Sempre foi namoradeira, não era a solidão que a incomodava. Era bonita, inteligente, não faltavam homens - e até algumas tantas mulheres - atrás dela.

Mas a vida já tinha sido menos complicada.

Foi logo depois de terminar um relacionamento de quase três anos que percebeu que a rotina a incomodava. Acostumou-se além da conta àquele amor confortável demais, sem poesia, sem surpresa. Ela sabia tudo dele, e ele dela.

Não tinham mais de se conquistar.

Madalena não era mulher de contentar-se com pantufas num dia frio, palavras cruzadas debaixo do cobertor, mais uma conversa sobre a semana cansativa. E só. Ela queria isso, sim. Mas não só.

Ela queria mais. Ela queria paixão.

Precisava de algo que a puxasse.

Empurrasse.

Desafiasse.

Movesse.

Ele ligou pra ela. Pra saber se ela tinha certeza do que estava fazendo, se entendia do que estava abrindo mão.

Ela sabia. Pediu que deixasse suas coisas com o porteiro naquela tarde, já que não estaria em casa.

Madalena sentia falta das coisas simples.

Mas antes precisava sentir-se novamente leve.

Começar de novo, fazer diferente.

Da porta do avião, olhou pra fora, olhou pra baixo.

- Pronta? No 3. 1... 2... 3... HEY! HO!

E lá estava Madalena.

Em queda livre.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Amanhã

- Te quero.

Eram duas da manhã quando o telefone tocou.

- Eu tava dormindo.

- Tava. Isso vai ser melhor que dormir. Acorda.

Verdade. Seria. Ela sabia, mas não queria dar a ele o gostinho de admitir que ficava excitada com o som de sua voz nessas ligações de madrugada. O coração disparava e ela sabia bem que não era paixão.

- Onde você tá?

- Aqui embaixo, abre a porta pra eu subir.

Maldito. Ele sabia bem como ela gostava das preliminares.

- A casa tá...

- Cala a boca, não vim aqui pra ver a decoração do apartamento. Já conheço teu apartamento. O que me interessa tá aqui.

Cretino. Já foi logo botando a mão por baixo de sua camisola, arrancando sua calcinha ainda na sala.

- Shiu, tem gente em casa. Vem pro quarto.

Gostoso. Suas mãos a conheciam como se a tivesse feito só pra ele. Ela sabia que não adiantava resistir. Ali ela deixava todo aquele seu jeito abusado e quase não precisava dizer o que ele deveria fazer.

Quase.

- O que você quer?

- Você sabe? - Ela disse.

- Ainda não.

Deus. Era praticamente impossível pensar quando ele a segurava forte pelo quadril, pouco se importando se as unhas deixariam marcas, enquanto sua língua deixava claro porque ela sempre atendia suas ligações. Ele sabia o que ela queria. Ele sabia.

Ele sabia.

- Vem cá. - Ela convidou ofegante.

Ele sabia que no dia seguinte eles voltariam a ser apenas amigos, mas ali, naquele momento, ela era sua. Pra que pressa?

- Calma. Tá com pressa?

- Não. - Ela mentiu. Não era pressa. Ou talvez fosse. Que diferença fazia?

- Então calma.

Amanhã.

Agora não.

Ainda não.




terça-feira, 6 de novembro de 2012

Parque

Abri a gaveta procurando aquela pulseira de acrílico e achei nossa única foto. Guardei ali pra não ter que olhar como um dia fomos felizes.

Naquele dia fomos impossivelmente felizes.

Lembrei do parque de diversões lotado, das filas intermináveis pelos brinquedos e de comer antes de subir na montanha russa, rebeldia besta.

Você tentando me ganhar o ursinho e eu te dizendo que não tinha problema não ter conseguido, por causa da minha alergia.

Naquele dia você foi ridiculamente romântico.

Foi quando me chamou de amor pela primeira vez, e eu te passei sorvete no nariz, só pra mudar de assunto.

Quem queria falar de amor num parque de diversões?

Ali escolhemos a nossa música, aquela do brinquedo mais chato.

E aí achamos a cabine de fotos. "Querem registrar o dia?", perguntou o moço de cartola e fraque. Nos olhamos e pareceu apenas necessário que tanta alegria ficasse guardada pra sempre de alguma forma.

Quatro cliques. Quatro poses. Uma história.

Naquele dia, fomos um casal.

Não achei a pulseira. Olhei a foto mais um pouco e tudo pareceu tão distante.

Fiquei na dúvida entre rasgar a memória ou guardá-la mais um tempo. Achei melhor deixá-la ali.

Só pra me lembrar de quem você não é.

domingo, 4 de novembro de 2012

Platônico

Marcelo e Catarina não deveriam se apaixonar.

Ela já estava no banco há algum tempo, tinha acabado de mudar de área, muito ainda pra aprender. Ele, novo na casa, a reputação o precedia. Era genial, tinha chegado pra inovar.

Foi bater os olhos em Marcelo pra Catarina se encantar.

Mas eles não podiam se apaixonar.

Ele, recém-saído de um casamento, filho ainda pequeno, a última coisa que precisava era se envolver com uma menina do trabalho. Ela, sempre responsável, jamais misturaria as coisas. Mais ainda com o chefe.

Só que o sorriso de Catarina era difícil de ser ignorado.

Mas eles não queriam se apaixonar.

Pois todo dia, quando chegava, Catarina parava pra cumprimentar Marcelo com um beijo carinhoso no rosto e um abraço mais apertado. E quando ele ia embora, jamais o fazia sem antes se despedir dela.

- Vai pra casa. Dorme bem.

E assim foi entre os dois. Passaram-se os dias, os meses. Eles nunca se apaixonaram, seria inapropriado.

Nunca se apaixonaram, mas se amaram sincera e profundamente em cada chegada e partida.

Como se nada mais houvesse além daqueles breves momentos em que eles estavam nos braços um do outro.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Ideal

Marcos era o típico príncipe encantado. As amigas o recomendavam como o namorado perfeito. Dava presentes, era romântico, do tipo que escolhia os melhores restaurantes, vinhos, sobremesas.

Tudo para ver sua princesa feliz.

Foi assim quando namorou Carol. A carioca bonita. Marcos era companheiro quando ela precisava, por telefone, mensagem, e-mail, todo dia era como o primeiro do relacionamento.

A paixão era importante.

Então veio Marina, a gaúcha. Linda. E todo dia era pra sempre.

Patricia, Luciana, Catarina, Maria Clara, Silvia.

Todas foram amadas imensamente, paparicadas em seus sonhos pro futuro.

Marcos era o príncipe perfeito.

Seguia o roteiro perfeito.

Fazia sua mocinha feliz.

Até subirem os créditos.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Limpo

Curioso o que se pega da convivência com outro alguém. Eu, que sempre odiei tomar banho logo cedo, me aprendi a só acordar depois de uma boa chuveirada. Era nosso ritual.

Faz tempo que você foi embora, mas ligar o chuveiro pra lavar os pesadelos da noite anterior foi algo de que não consegui me livrar.

Foi difícil no começo. Acordar e não precisar negociar o banheiro, quem ia primeiro, quem precisava de mais alguns minutos pra dormir.

Até que o ritual tornou-se algo só meu.

Entrar debaixo d´água pra deixar que, pouco a pouco, você saísse de mim, descesse pelo ralo, fosse pra bem longe.

Seu toque, seu cheiro, seu gosto, seu calor, seu sorriso, sua voz, seu carinho, sua presença, sua lembrança.

Tudo indo embora com a espuma do shampoo.

Mais um dia.

Mais um banho.

E eu, cada vez mais limpa.



sábado, 20 de outubro de 2012

Quase

A festa estava cheia, mas poucas eram as pessoas com quem queria conversar. Ela caminhava rumo ao bar quando foi interceptada por alguém que, tinha quase certeza, sequer conhecia.

- Eu preciso falar com você.

- Nos conhecemos?

- Não pessoalmente, mas já conversamos muito pela internet. Eu sou aquele com o avatar de super-herói.

- Ah! Sim. Claro. Prazer. 

Ela sorriu. De fato, em algum nível, eram conhecidos. 

- Você é mais bonita pessoalmente do que nas fotos. 

- Obrigada. Eu acho. 

- Sim, foi um elogio. Já te disse isso antes, eu gosto muito de você, de graça. Pelas coisas que você escreve, pelas coisas que você acredita.

- Pelo que você vê na internet? Aquilo nem sempre é verdade. Acho que já disse isso várias vezes. 

- Eu sei. Mas sei lá. Eu queria falar com você. Te conhecer pessoalmente. Ver esse teu sorriso, sentir o teu perfume. 

Ele a puxou pra perto, ela resistiu.

- Você não está acompanhado? Daquela loira saindo do banheiro?

- Não. Talvez. Sim. Mas se eu não fosse enrolado, eu faria de tudo pra você sair comigo dessa festa.

- Enrolado? Sua namorada é linda. 

- Ela é. Mas ela não é você. 

- Engraçado. Nem eu. - Ela pausou - Ainda não.

Pediu licença e seguiu seu caminho. Precisava de uma taça de vinho. 

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Discrição

Quando tudo acabasse, não haveria uma evidência sequer de que os dois, um dia, foram alguma coisa.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Subjetividade

Passeavam pela rua em silêncio e ele percebeu.

- Que dia é hoje? Estamos em Outubro?

- Sim.

- Faz 7 meses que me mudei pra cá. Tempo pra caralho.

- Faz 6 meses que estamos saindo.

- Nesse caso não é pouco tempo. Ainda não é o suficiente.

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Vidas cruzadas

Luiz acordou mal humorado aquele dia. Além do time ter perdido na noite anterior, teve o desprazer de descobrir que sua mulher o estava traindo com um colega de bar. Colega, porque não dá pra chamar de amigo um desgraçado que come sua mulher. Mais ainda quando seu time vai mal.

Pegou o uniforme e deixou pra se arrumar no trabalho. Não queria nem ver a cara da vagabunda pra não ter que lhe acertar uma na cara, nem tomar café pra não precisar trocar ideia. Era capaz de falar umas verdades, botar a descarada pra fora de casa, mudar as fechaduras e deixá-la na rua da amargura.

Depois. Depois ele se acertava com ela.

Mas ele já sabia que seria um daqueles dias. Com aquele tanto de gente burra fazendo sinal pro ônibus só pra perguntar se passava na rua tal, ou se fazia aquele ou outro caminho. Ele era pago pra dirigir, não pra prestar serviço de informação pra gente perdida. Pesquisasse antes o trajeto da linha, oras! Eu, hein.

Fora as malditas ruas em obra. Período de eleição é sempre a mesma porcaria, com candidato querendo mostrar trabalho e ferrando a vida das pessoas. E as obras ficavam mudando os pontos de lugar, além de transformar cada viagem num rali dos sertões. Inferno.

Já eram quase sete da noite. Luiz já não aguentava mais dirigir e só pensava em ir pro bar. Não o mesmo de sempre, pra não ter que encontrar aquele traíra e segurar a vontade de lavar sua honra com o sangue de um murro bem dado na cara do infeliz. Um novo, onde ele fosse um desconhecido precisando de uma gelada pra afogar as mágoas.

Faltava pouco, era a última viagem. Dali, direto pra garagem. E tantos ônibus querendo parar justo naquele ponto do lado do tapume. Maldita obra. Maldito ponto que ficava ali atrás. Luiz decidiu seguir por fora. Pulou aquela parada.

Afinal, que mal faria?

Lídia se organizou direitinho naquele dia. Já sabia que precisaria tirar a sexta de folga pra resolver algumas coisas, e aquele era dia de aula longe, precisaria sair mais cedo do trabalho. Por isso montou todo um cronograma com suas horas na semana e distribuiu aquelas que pegaria pra si pelos outros dias. Assim ninguém poderia falar nada.

Já estava tudo certo. Bilhete único recarregado, pesquisou no Google todas as opções para sair do escritório e chegar no lugar onde aconteceria a palestra, escolheu a mais familiar. Parecia fácil.

Chegou cedo pra trabalhar, almoçou rápido e saiu antes da hora, explicando direitinho o motivo.

Daria tempo.

Pegou o primeiro ônibus, desceu no ponto recomendado, decidiu escutar música enquanto esperava o segundo.

Que fome. Talvez ela devesse ter comido antes. Tudo bem, ela podia comer quando chegasse. Olhou o relógio. Tinha tempo de sobra.

Passaram 3 carros. O número parecia ser aquele. Na dúvida, fez sinal. Perguntou ao motorista. Não, aquele número não ia praquele lugar.

Será que tinha errado?

Não. era aquele número, mas a letra era diferente. Lá vinha o ônibus! Isso! Ela ia conseguir.

Ei! Não, moço. Não vai por fora! Por favor! Moço, para no ponto! Ela não sabia que outros ônibus pegar! Aquele já tinha demorado tanto, não daria pra esperar o próximo.

Olhou a carteira pra ter certeza. Só tinha dinheiro pra volta. Não daria tempo.

Lidia viu de longe seu banco. Do outro lado, um ponto de táxi. Cruzou a avenida pra tirar dinheiro. Não poderia gastar tanto.

Pegou o táxi. Chegou a tempo. Conseguiu até comer uns salgados antes da aula começar. Pelo menos economizou no jantar.

Luiz chegou no bar do lado da garagem e bebeu todas. Foi pra casa cheio de coragem pra reclamar sua masculinidade de volta.

Chegou pra achar tudo escuro, menos a cozinha, um bilhete em cima da mesa.

"Cansei. Fui embora com o Zezão. Tem carne assada na geladeira."

Maldita.



terça-feira, 25 de setembro de 2012

Porta-trecos

Abriu a porta do quarto, acendeu a luz e encarou as prateleiras. Aquela faxina devia ter sido feita há tempos, mas ela aceitava qualquer desculpa pra não ter de mexer naquelas caixinhas.

E lá estavam elas, tão bonitinhas organizadas uma ao lado da outra, em ordem cronológica. Pegou a primeira, lá de cima, uma embalagem de brinquedo antigo, com guache espalhada em cima. Abriu a tampa e sentiu o cheiro do parque de diversões em que o coleguinha do maternal lhe roubou um beijo na bochecha.

Logo em seguida, a caixinha de madeira talhada em que seu melhor amigo guardou a primeira carta de amor que recebeu na vida. Aquele foi seu primeiro namorado sério. Primário e eles beijavam na boca e andavam de mãos dadas pela escola, porque se amavam. Ela achou que seria pra sempre. Tão gostoso aquele cheiro do chiclete de tuti-fruti. 

Foi passando os dedos por cima de cada caixa, abrindo uma a uma e sentindo os cheiros de cada lembrança. Aquela do All Star azul que comprou aos quinze anos, o refrigerante com cachorro-quente que lanchou com aquele carinha por quem se apaixonou louca e platonicamente. 

A caixa de conchinhas que fez à mão em Búzios, a areia e a água do mar que traziam à mente a clara lembrança daquele surfista loiro todo tatuado. Delícia de amor de verão. 

Quem visse de fora certamente a acharia promíscua. É que ela guardava com carinho cada ensaio de romance que a vida lhe trazia. E ela guardava com detalhes, todas as bobagens que passavam despercebidas pela maioria e pra ela eram a melhor parte de se apaixonar. Os cheiros, os gostos, os ingressos de filme, de jogo, as notinhas de restaurante, de supermercado, a cor do batom que deu aquele beijo.

Tudo guardado ali, com tanto zelo e medo de mexer pra não estragar. 

Histórias escondidas até então, até o levantar das tampas, o abrir das caixas. Engraçado como reviver tudo aquilo lhe custaria tanto, todas as memórias se dissipando no ar. 

Mas ela sabia que cada coisa tinha seu tempo e aqueles amores precisavam ser livres.

E ela precisava do espaço.

sábado, 22 de setembro de 2012

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Contextos

Ana reconheceu Luiz de longe. Mesmo depois de tanto tempo sem se verem, o corte de cabelo diferente e a barba por fazer, ela jamais esqueceria aquele jeito de andar.

Cumprimentaram-se educadamente na porta do café até que ela sugeriu que entrassem para tomar algo, botar o papo em dia. Por que não?

Ela pediu o de sempre, ele já tinha um novo favorito. Desde que se separaram tinha aberto mão da cafeína. E virado vegetariano. E tantas outras coisas mais que ela torceria o nariz se ele contasse.

Mas Ana falou sozinha. Sobre seu novo emprego, o novo apartamento, o novo homem em sua vida. Talvez O homem da sua vida. E então começou a lembrar de quando estavam juntos, ela e Luiz. De tudo que fizeram errado, da catástrofe que havia sido o relacionamento.

Meu Deus, como eram errados um pro outro. Da diferença de idade aos gostos para... Bem... Tudo. A única coisa em que concordavam era música. E só.

Curioso, né, como eles passaram 2 anos juntos só discutindo, brigando e discordando da vida, mas sempre resolvendo tudo com uma música mandada por e-mail ou mensagem de celular. Eram serenatas de desculpas, perdão. Até o próximo desentendimento, até o dia em que nenhuma música foi capaz de consertar o que havia sido dito ou feito.

O disco deles estava quebrado.

Nossa, como o tempo passou enquanto eles conversavam. Ou enquanto ela falava e ele ouvia, apenas acompanhando com a cabeça. Luiz estava diferente mesmo, talvez estivesse fazendo yoga, ou coisa parecida, de tão calmo e calado.

Despediram-se. Ana disse que seu e-mail continuava o mesmo, que ele mandasse algo pra ela, sugerisse um almoço, ou outro café dia desses. Foi legal se verem, ainda que por acaso.

Ele ficou ali, observando-a se afastar. Pensando nas histórias que ela contou. Foram dois anos. Claro, algumas brigas. Nenhum relacionamento é perfeito.

A diferença é que, nas suas lembranças, eles foram felizes.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

sábado, 8 de setembro de 2012

Eles

Ela sempre apoiou que ele preferisse os amigos.

Talvez por saber que ele precisaria deles

quando ela fosse embora.

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Causa mortis

Morreu asfixiada.

Encontraram, entalado em sua garganta, um eu te amo. 

Foi lento e doloroso. 

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Ascensão e queda de uma nunca deusa

Calista sempre soube que havia algo de especial nela. Desde cedo reparava o quanto se destacava entre as coleguinhas, mas só ao completar 15 anos entendeu o por que. Seu pai era, na verdade, um deus.

Ela não sabia exatamente qual, já que sua mãe o havia conhecido em uma festa de Baco quando era bastante jovem e estava bastante embriagada na ocasião. Só podia ser Zeus. Parecia bastante óbvio a Calista que era seria uma herdeira do Olimpo.

Daquele dia em diante, a jovem imaginou infinitas formas de conhecer seu pai e se aproximar de tudo que acreditava ser seu por direito, mas muitos outros tentavam o mesmo diariamente. Chegava a ser difícil arrumar um namorado sem que o relacionamento configurasse incesto. Sua sorte era acreditar que nenhum homem da Grécia era digno de ficar com ela, o que facilitava um pouco essa parte.

Pois sua oportunidade de brilhar apareceu quando Hades e Demeter brigavam pela custódia de Perséfone. Para não ter de se meter na discussão, Zeus decidiu abrir a decisão para votação e, ao atingirem um impasse, perceberam que não havia quorum suficiente para resolver a questão. Como apenas deuses podiam votar e todos haviam escolhido seus lados, eles precisavam de novos deuses.

E então chegaram a um novo impasse.

Até que um dos mais jovens teve a ideia: promover um semideus. Eram muitos candidatos, eles sabiam quantas vezes as cercas do Olimpo haviam sido puladas, por isso seriam muitas tarefas a serem cumpridas, entre provas de múltipla escolha, discursivas, entrevistas com uma banca formada apenas pelos deuses originais, um show de talentos e algumas simulações para entender como cada um se comportaria diante de situações difíceis como o fim do mundo, os ciúmes de Hera, as crises de insegurança de Afrodite e algumas guerras entre mortais.

Calista estava se preparado para isso há quase 4 anos, ela sabia que era capaz de surpreender. O processo seletivo seria longo e árduo, mas ninguém merecia mais que ela. Além do mais, ela não aguentava mais ser vista como a filha do ferreiro. Era seu direito por nascimento e ela lutaria por isso.

Seu único problema, na verdade, era a falta de coordenação motora. Em provas como a de arco e flecha, ou a corrida com piras pelas montanhas, ela tinha grandes chances de perder pontos. Mas, da mesma forma que fazia nas aulas de educação física, ela sabia que poderia usar seu charme para achar uma saída. Incrivelmente, ela conseguia exercer sua influência sobre homens e mulheres.

E assim foi. Depois de longos 4 meses, Calista foi escolhida. Enfim ela não precisaria mais conviver entre os civis e poderia ser cultuada e existir entre seus iguais. Tudo estava certo e nem em seus sonhos mais incríveis ela poderia ter se imaginado tão feliz.

Despedir-se dos pais foi a parte mais fácil da ruptura. Arrumar as malas e garantir que absolutamente tudo fosse levado aos seus novos aposentos demandou muito mais atenção. Ali ela começou a tomar gosto pela recém adquirida posição. As pessoas pareciam se desdobrar para atender a seus caprichos e ela logo percebeu o quanto aquilo era delicioso.

Poucas coisas eram tão saborosas quanto o poder.

Uma de suas primeiras providências no cargo foi desempatar a disputa por Perséfone. Graças à sua influência, chegou-se a um acordo que resultou na divisão do ano em estações, de forma que Perséfone passasse metade do ano com o marido Hades e a outra metade com sua mãe Deméter. Todos felizes. No máximo, poderiam reclamar de uma eventual saudade, mas o resultado pareceu justo a todos os envolvidos. Exceto pra Perséfone, que claramente não se incomodaria se essa distribuição de tempo envolvesse alguns meses em ela pudesse ficar sozinha.

Depois disso, curioso, quase nenhuma crise se apresentou. A vida lá em cima era tranquila e quando não estavam em festa, bebendo e comendo como se não houvesse amanhã, a monotonia era tanta que ficou fácil para Calista entender por que seus colegas de profissão gostavam tanto de mexer com as cabeças dos mortais ou pregar peças uns nos outros. Não fosse isso, provavelmente morreriam de tédio.
E foi assim que ela mesma começou a aprontar das suas. Chegou até a gostar da ideia de se aproveitar de rapazes que antes sequer receberiam dela um olhar ou um sorriso. Agora ela estava muito acima deles e o poder podia ser bastante afrodisíaco. Era divertido vê-los todos apaixonados e sem a menor possibilidade de tê-la para si.

Tolos.

Calista acreditava ter encontrado a fórmula ideal para poder viver como deusa, até que, em uma das festanças do Olimpo, as coisas perderam um pouco o controle e ela conseguiu mexer com um dos homens de Afrodite e irritar Hera de uma só vez. Poucas combinações teriam sido tão nocivas.

Normalmente, o caso teria sido levado a uma corte, que analisaria as circunstâncias e determinaria um castigo levemente desproporcional. Algo como ter suas entranhas devoradas por abutres durante uma eternidade, mas suas vítimas exigiram seu banimento. Ela deveria ser jogada ao mundo dos mortais, sem seus poderes de deusa ou semideusa, condenada a ser somente uma mulher, sem nada de especial.

A única coisa que levaria consigo seria a lembrança de como era ser idolatrada.

Com a mesma rapidez com que se acostumou a ser especial lá em cima, ela sentiu na carne como era ser ninguém. Outras mulheres pareciam tão ou mais bonitas, magras, interessantes e cativantes quanto ela. Nenhuma delas parecia invejá-la, assim como nenhum dos homens parecia desejá-la.

A crise de abstinência bateu forte e logo, Calista não sabia por que existir senão para ser o foco da atenção de todos. Sentia-se mais fraca a cada dia que passava sem sentir que todos os olhares eram pra ela, ou desconfiar que era sobre ela que cochichavam.

Vagava pelas ruas de algum lugar que desconhecia até descobrir que todas as pessoas estavam na internet e era pra lá que ela deveria ir. Aprendeu rápido que precisava ter uma conta de Twitter, uma de Facebook, um Tumblr, e mais outras tantas redes em que contaria detalhes inúteis de sua existência para desconhecidos. Parecia bem fácil.

Ganharia pontos extras se postasse fotos suas sendo sensual, boba, feliz, triste, não faria tanta diferença desde que sua audiência a paparicasse e dissesse como estava linda naquela foto, ou em qualquer outra. Ela tinha de construir uma base de fãs para adorá-la por motivo algum. Afinal, quel era seu talento?

E assim surgiu @deusa_calistaa, uma garota inocente que gosta de tudo que você também gosta e mais algumas coisas assim pra manter o mistério quer me conhecer me add.

Ela era sorridente e simpática, dizia todas as coisas que todo mundo queria ouvir e fazia com que eles quisessem sempre mais do nada que ela oferecia todos os dias, a todo momento. Em pouco tempo ela se tornou a musa de uma legião não tão pequena de fãs que queriam ser seus amigos ou seguidores. Muitos ficavam absolutamente histéricos com uma simples interação.

Tudo estava dando certo pra ela. Até que um dia ela escreveu algo que não deveria.

"Aff Hera e Afrodite podem tentar, mas não vão me derrubar. Sambei na cara dessas recalcadas."

Foram tantos RTs que a mensagem deu seu jeito de chegar aos ouvidos das duas, que decidiram que o castigo dado à bastarda insolente não fora suficiente. Ela merecia algo mais definitivo.

Então Calista recebeu a visita de um mensageiro com uma convocação urgente para que comparecesse ao Olimpo para revisar sua sentença. Claramente haviam se arrependido e reconheceriam sua importância, pensou. Mal sabia ela o que a esperava.

Todos os deuses a receberam para a leitura de sua punição.

Daquele momento em diante ela seria privada da fala, de seus movimentos e da sua matéria. Passaria a eternidade sendo transportada para o lugar mais cheio da Terra naquele instante, onde poderia ver todas as pessoas passarem por ela sem poder enxergá-la, tocá-la ou conversar com ela, 24h por dia, todos os dias do ano.

Eles a concederam a imortalidade e deram as costas um por um.

E Calista passou a eternidade experimentando o que era ser ninguém.


quarta-feira, 25 de julho de 2012

Valsa

Ao fundo, um vizinho ouvia música.

Sem sequer entender a melodia, ele a puxou pela cintura. Ela, nas pontas dos pés, rostos colados.

Dançaram dois pra lá, dois pra cá, enquanto esperavam o elevador chegar.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Na ressaca do dia seguinte, ele se preocupava em lembrar se a havia envergonhado em algum momento.

Ela guardava o segredo de que, enquanto bêbado, ele a chamou de amor.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Espólios

Um dia houve amor.

Então seguiram caminhos diferentes.

E até a cortesia diplomática entre ex-amantes deu lugar
a um não relacionamento meramente burocrático.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Posse

Viu a sua foto com outro e decidiu mandar flores.

O bilhete dizia "Saudades".

Não era que ele ainda a amasse. Só não suportava vê-la feliz sem ele.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Rotina

Às vezes passo por lugares e refaço caminhos que um dia me foram tão cotidianos só pra ter a certeza de que eu não sou mais a mesma pessoa.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Primeira vez

Seria a primeira noite deles juntos. Ela sugeriu um jantar, na casa dela. Obviamente queria mostrar seus dotes culinários.

Escolheu o cardápio, algo mais simples do que o nome fazia parecer, e o vinho que harmonizava, as músicas que fariam trilha para os dois.

Trocou a toalha, pôs a mesa, a casa limpa, tudo no lugar.

Roupa de cama trocada, lingerie nova doida pra ser tirada.

Mas o que mais a assustava era a ideia de que aquela seria a primeira vez que ele a veria sem maquiagem.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Verdade


Sentou-se de frente para sua maior ansiedade e, entre um choppe e outro, entendeu que não fazia a menor questão de estar certa.

Tudo que sempre quis foi saber que não estava louca, que não havia fantasiado toda a história entre os dois.

Sim, estava certa, mas, acima de tudo, estava livre.

Simplesmente por saber a verdade.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

papéis

Terminou com o rapaz por achá-lo muito menino.

Nunca percebeu que o problema era que ela procurava um pai em cada namorado.

sábado, 7 de abril de 2012

domingo, 4 de março de 2012

Frio

Vem, volta pra cama. Tá frio e você sabe que eu odeio quando chove. Os raios me assustam, os trovões mais ainda.

Volta pra cama antes que eu perceba que a única falta que você me faz é a do calor do meu lado no colchão grande demais.

Que eu admita que a única razão pra ainda insistir em ficar com você é o medo que eu tenho de um relacionamento real. Sim, eu sei que a gente nunca vai dar certo. É claro que eu sei. Faz tempo.

Por isso eu fiquei. Não fosse você, eu correria o risco de, quem sabe, encontrar alguém que valesse a pena. Alguém com quem eu quisesse até fazer planos. Ter um relacionamento. Ser feliz. Todas as coisas que eu sei que eu nunca terei com você.

Sim, tá tudo errado. Mas é mais prático que a alternativa.

Anda, volta pra cama. Volta logo, me trás um copo d'água e me abraça até eu parar de pensar.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Irreal

Queria escrever sobre você.

Mas acho que não saberia te explicar nem na ficção.

Serenata

Achou o arquivo da música em meio a seus e-mails antigos.

Não tinha música com seu nome, não tinha poesia feita pra ela, mas tinha aquela música, gravada especialmente como um presente de Natal. Todas as vozes feitas individualmente e depois sobrepostas, o violão, a sirene da ambulância.

Tudo pra dizer, de forma impossivelmente platônica, o quanto ela era única e especial. 

Jogou a música no player, para que o shuffle, volta e meia, a lembrasse de épocas em que até o fim de um quase amor era mais bonito.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

domingo, 29 de janeiro de 2012

E se?

Tem amores que nunca foram, nunca serão.

Daqueles da fantasia antiga, das hipóteses infinitas, das poesias, cartas e mensagens trocadas.

Que nunca se estragarão tão somente porque nunca enfrentaram ou enfrentarão a dura luz do dia.

A melhor coisa para derrubar um conto de fadas é a cretina da realidade.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Encruzilhada

Relacionamentos são feitos de escolhas.

Escolher estar com alguém é abrir mão de todas as pessoas com quem você poderia ficar.

Escolher poder ficar com as outras pessoas é abrir mão daquele alguém.

domingo, 15 de janeiro de 2012

Romance

Eu prefiro a realidade à fantasia.

Trocaria todas as promessas

Pelas bobeiras do dia-a-dia.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012