domingo, 22 de novembro de 2009

Caminhos

Ela se irritou com a sua condescendência ao se despedirem. Viu em seus olhos que ele achava que ela ainda estava sofrendo a sua perda.

Quis jogar em sua cara que ela estava feliz, mas não conseguia ser tão cruel quanto ele.

Cada um seguiu para um lado e ela engoliu aquela raiva momentânea que veio acompanhada de uma lágrima solitária.

Era melhor assim.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Laços

O nosso filho nasceria amanhã, eu fiz as contas. Estimativas de uma hipótese, mas eu fiz as contas.

Você foi embora e eu achei que fosse morrer. Passava mal o tempo inteiro e as pessoas parecem ser levadas a pensar sempre uma única coisa: se está vomitando, só pode estar grávida. Era improvável, mas não impossível. E acho que o psicológico cedeu. Bateu paranóia, achei melhor fazer o teste.

Fiz dois, na verdade.

O primeiro, daqueles de farmácia. Podia sentir a menina comentar com a mãe atrás de mim, na fila do caixa. Observando a embalagem, perguntando o que era, pedindo detalhes. Pra que eu queria aquilo? Juro que a mãe me julgou, como se eu fosse muquirana demais para fazer o teste direito, num médico, ou sei lá.

Como se eu precisasse me sentir mais mal.

O processo é todo horrível, exatamente como eu imaginei. E enquanto esperava, já não sabia mais se queria 1 ou 2 pauzinhos cor de rosa naquele maldito palitinho. Pensei se um filho faria você mudar de ideia, pensei se eu queria ser mãe, em como você seria como pai.

Deu negativo e eu não sabia dizer se sentia alívio ou frustração.

Mas me disseram que não era confiável, então fiz o exame de sangue, pra ter certeza. Nem que fosse pra esfregar na cara de todo mundo que problemas de estômago existem e anticoncepcionais funcionam.

Eu precisava saber.

E não importa a naturalidade com que as atendentes agem. A impressão que dá é a de que, no fundo, elas estão te julgando também. Exatamente como a menina na fila da farmácia. Pensando que você está lá porque fez merda, fez sexo sem camisinha com um estranho e agora está preocupada com as consequências.

Você praticamente espera que elas insiram no questionário, depois de idade, data da última menstruação e medicamentos que você possa ter tomado nas últimas 24 horas, se você pretende abortar. Só para elas poderem julgar você um pouco mais.

O resultado sai em menos de um dia, mas nessas horas o tempo é absolutamente subjetivo. Tenho certeza que se passou uma eternidade, tantas vezes que acessei aquele site. Nunca voltei para pegar a resposta pessoalmente. A internet confirmou que não estava grávida.

Ainda bem. Talvez você tivesse ficado e teria sido ruim. Talvez você tivesse ido embora mesmo assim, e isso teria sido pior.

Nosso filho nasceria amanhã. Por alguma razão, ainda guardava o comprovante do exame na minha carteira. Rasguei o papel em mil pedaços. Finalmente.

Depois quebrei a carteirinha da locadora, que insistia em dizer que eu era dependente de você.

sábado, 7 de novembro de 2009

Troca

Ela era daquelas mulheres lindas o tempo inteiro, mesmo quando acordava. Não fazia ideia do quanto era bonita, ou de qualquer uma de suas qualidades. Pensava ser comum, e ele sabia que ela estava longe disso.

A queria há tanto tempo que perdera a conta de quantas vezes se pegou observando os fios brancos de seu cabelo, achando graça porque aquilo não a incomodava. Talvez fosse a única mulher que conhecia que achava legal ter cabelos brancos.

Conhecia cada detalhe seu, mesmo os mais sórdidos. Vantagens de ser um melhor amigo.

A desvantagem era vê-la chorar tanto assim. Por outro, pior ainda. Alguém que jamais a mereceu, como ele fez questão de ressaltar desde o começo. E, em meio às lágrimas, as besteiras que dizia. Aquela verborragia de imbecilidades. Sobre o quanto ele era mais inteligente, ou mais bonito, ou melhor que ela.

Como podia alguém sofrer tanto assim? Queria tocá-la, mas não sabia o que fazer. Como era possível que ela não entendesse que a perda era dele, e só dele? Que ela era a mulher mais incrível que ele já conhecera?

Ela era linda. Como alguém podia ser linda mesmo chorando? Seu rosto molhado pedia para ser acariciado. Apoiou a mão sobre a sua bochecha e a olhou de verdade, como há muito tempo evitava fazer. Seu lábio estava inchado, depois de tanto chorar. Ela nunca lhe parecera tão irresistível.

Naquele momento, deixou de lado a amizade. Puxou-a para junto de seu corpo e beijou-a como fizera tantas vezes em seu pensamento. Sabia que era errado, mas estava cansado de esperar. Cansado de ser o ombro que a amparava, cada vez por um idiota diferente, que não a merecia.

Ela foi pega de surpresa por aquele beijo. Nunca pensara nele daquele jeito. Era seu melhor amigo desde sempre, seu apoio nas horas ruins, sua companhia nas boas. Sabia que deveria impedi-lo, mas estava fraca de tanto chorar, cansada de tanto sofrer. Estava sozinha, precisando de um pouco de carinho e conforto.

Fechou os olhos e se deixou aproveitar.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Flerte

Estava dando seu nome e número de documento à recepcionista quando o viu entrar no prédio. Olhou rapidamente em sua direção e logo o reconheceu. Ficou surpresa, na verdade, ao perceber que num olhar igualmente breve ele também a reconheceu, mesmo depois de tanto tempo. O rosto corado a levou a pensar que ele havia gostado de vê-la de novo. O esbarrão que deu na parede por continuar olhando em sua direção a fez ter certeza.

Já não se viam desde o pré-vestibular, coisa de mais de dez anos, mas ambos haviam mudado pouco. Ela sempre o achara interessante. Um garoto bonito que se tornou um homem lindo. Mais ainda com o terno, a gravata e os óculos. Sempre tivera uma queda por homens de óculos.

Ele devia estar chegando do almoço com os colegas, a cumprimentou com um sorriso tímido e seguiu em frente. A recepcionista ainda demoraria a liberar sua entrada, não daria tempo de se esbarrarem no elevador. E ela só conseguia lembrar seu primeiro nome. Por mais incomum que fosse, não seria suficiente para que ela o encontrasse. Mesmo em um prédio pequeno, com poucas empresas.

Lembrou-se da amiga que fora sua vizinha durante um bom tempo e perguntou se ela ainda sabia o sobrenome do menino bonito que morava no apartamento do lado. Ela sabia.

E então ela tinha em mãos seu nome. Só faltava a coragem para fazer alguma coisa com a informação. Estava ali para uma reunião e, enquanto conversava com o cliente, pensava nos olhos azuis, nos cabelos loiros, e nos óculos.

Quando saía do prédio, respirou fundo e decidiu fazer algo que jamais fizera em sua vida. Pegou seu cartão de visitas e anotou seu celular e um recado.

Pediu à recepcionista que entregasse a ele. É claro que ela sabia de quem se tratava, impossível um homem daqueles passar despercebido.

“Bom te ver de novo, mesmo que tão rapidamente. Meu contato, vamos combinar alguma coisa, lembrar dos velhos tempos.”

Agora a bola estava no campo dele, ela pensou. Saiu segura de si, mesmo que ele não ligasse, simplesmente por não ter tido medo de se arriscar.

No dia seguinte, ele ligou.