terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Companhia

Pois depois de tanto tempo se falar, eles se encontraram. Nada mais constrangedor que botar o papo em dia.

Ela lhe contou que, enfim, faria aquela viagem para o Peru com que tanto sonhara.

Ele, talvez curioso, talvez apenas tentando ser educado, perguntou-lhe se iria acompanhada.

- Sim - ela respondeu - irei sozinha.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

domingo, 13 de dezembro de 2009

Exorcismo

Ela tirou do armário o vestido que usou para a tal festa em que foram juntos e ele sequer a elogiou, depois de 2 horas se arrumando.

Aprontou-se toda só para ir naquele restaurante do qual ela sempre falava, que tinha visto numa revista, e depois num blog, e depois um amigo comentou que realmente era maravilhoso, mas ele nunca estava disposto a conhecer.

Botou o sapato que ele odiava, porque a deixava alta demais, quase maior do que ele, e ele nunca gostou de parecer baixo. Pra combinar, a bolsa que ganhara do ex, e só por isso ele sempre torcia o nariz toda vez que ela tentava usar.

Olhou-se no espelho e gostou do que viu. Não precisava ouvir que estava linda, ela sabia disso.

Aproveitou pra ligar pra amiga e avisar que já estava saindo de casa para buscá-la. Aquela amiga com quem ele sempre implicava.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

As 4 operações

Matematicamente, eles eram perfeitos um para o outro. Que pena, ela se pegava pensando às vezes, que a vida não é feita apenas de variáveis em uma equação.

domingo, 22 de novembro de 2009

Caminhos

Ela se irritou com a sua condescendência ao se despedirem. Viu em seus olhos que ele achava que ela ainda estava sofrendo a sua perda.

Quis jogar em sua cara que ela estava feliz, mas não conseguia ser tão cruel quanto ele.

Cada um seguiu para um lado e ela engoliu aquela raiva momentânea que veio acompanhada de uma lágrima solitária.

Era melhor assim.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Laços

O nosso filho nasceria amanhã, eu fiz as contas. Estimativas de uma hipótese, mas eu fiz as contas.

Você foi embora e eu achei que fosse morrer. Passava mal o tempo inteiro e as pessoas parecem ser levadas a pensar sempre uma única coisa: se está vomitando, só pode estar grávida. Era improvável, mas não impossível. E acho que o psicológico cedeu. Bateu paranóia, achei melhor fazer o teste.

Fiz dois, na verdade.

O primeiro, daqueles de farmácia. Podia sentir a menina comentar com a mãe atrás de mim, na fila do caixa. Observando a embalagem, perguntando o que era, pedindo detalhes. Pra que eu queria aquilo? Juro que a mãe me julgou, como se eu fosse muquirana demais para fazer o teste direito, num médico, ou sei lá.

Como se eu precisasse me sentir mais mal.

O processo é todo horrível, exatamente como eu imaginei. E enquanto esperava, já não sabia mais se queria 1 ou 2 pauzinhos cor de rosa naquele maldito palitinho. Pensei se um filho faria você mudar de ideia, pensei se eu queria ser mãe, em como você seria como pai.

Deu negativo e eu não sabia dizer se sentia alívio ou frustração.

Mas me disseram que não era confiável, então fiz o exame de sangue, pra ter certeza. Nem que fosse pra esfregar na cara de todo mundo que problemas de estômago existem e anticoncepcionais funcionam.

Eu precisava saber.

E não importa a naturalidade com que as atendentes agem. A impressão que dá é a de que, no fundo, elas estão te julgando também. Exatamente como a menina na fila da farmácia. Pensando que você está lá porque fez merda, fez sexo sem camisinha com um estranho e agora está preocupada com as consequências.

Você praticamente espera que elas insiram no questionário, depois de idade, data da última menstruação e medicamentos que você possa ter tomado nas últimas 24 horas, se você pretende abortar. Só para elas poderem julgar você um pouco mais.

O resultado sai em menos de um dia, mas nessas horas o tempo é absolutamente subjetivo. Tenho certeza que se passou uma eternidade, tantas vezes que acessei aquele site. Nunca voltei para pegar a resposta pessoalmente. A internet confirmou que não estava grávida.

Ainda bem. Talvez você tivesse ficado e teria sido ruim. Talvez você tivesse ido embora mesmo assim, e isso teria sido pior.

Nosso filho nasceria amanhã. Por alguma razão, ainda guardava o comprovante do exame na minha carteira. Rasguei o papel em mil pedaços. Finalmente.

Depois quebrei a carteirinha da locadora, que insistia em dizer que eu era dependente de você.

sábado, 7 de novembro de 2009

Troca

Ela era daquelas mulheres lindas o tempo inteiro, mesmo quando acordava. Não fazia ideia do quanto era bonita, ou de qualquer uma de suas qualidades. Pensava ser comum, e ele sabia que ela estava longe disso.

A queria há tanto tempo que perdera a conta de quantas vezes se pegou observando os fios brancos de seu cabelo, achando graça porque aquilo não a incomodava. Talvez fosse a única mulher que conhecia que achava legal ter cabelos brancos.

Conhecia cada detalhe seu, mesmo os mais sórdidos. Vantagens de ser um melhor amigo.

A desvantagem era vê-la chorar tanto assim. Por outro, pior ainda. Alguém que jamais a mereceu, como ele fez questão de ressaltar desde o começo. E, em meio às lágrimas, as besteiras que dizia. Aquela verborragia de imbecilidades. Sobre o quanto ele era mais inteligente, ou mais bonito, ou melhor que ela.

Como podia alguém sofrer tanto assim? Queria tocá-la, mas não sabia o que fazer. Como era possível que ela não entendesse que a perda era dele, e só dele? Que ela era a mulher mais incrível que ele já conhecera?

Ela era linda. Como alguém podia ser linda mesmo chorando? Seu rosto molhado pedia para ser acariciado. Apoiou a mão sobre a sua bochecha e a olhou de verdade, como há muito tempo evitava fazer. Seu lábio estava inchado, depois de tanto chorar. Ela nunca lhe parecera tão irresistível.

Naquele momento, deixou de lado a amizade. Puxou-a para junto de seu corpo e beijou-a como fizera tantas vezes em seu pensamento. Sabia que era errado, mas estava cansado de esperar. Cansado de ser o ombro que a amparava, cada vez por um idiota diferente, que não a merecia.

Ela foi pega de surpresa por aquele beijo. Nunca pensara nele daquele jeito. Era seu melhor amigo desde sempre, seu apoio nas horas ruins, sua companhia nas boas. Sabia que deveria impedi-lo, mas estava fraca de tanto chorar, cansada de tanto sofrer. Estava sozinha, precisando de um pouco de carinho e conforto.

Fechou os olhos e se deixou aproveitar.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Flerte

Estava dando seu nome e número de documento à recepcionista quando o viu entrar no prédio. Olhou rapidamente em sua direção e logo o reconheceu. Ficou surpresa, na verdade, ao perceber que num olhar igualmente breve ele também a reconheceu, mesmo depois de tanto tempo. O rosto corado a levou a pensar que ele havia gostado de vê-la de novo. O esbarrão que deu na parede por continuar olhando em sua direção a fez ter certeza.

Já não se viam desde o pré-vestibular, coisa de mais de dez anos, mas ambos haviam mudado pouco. Ela sempre o achara interessante. Um garoto bonito que se tornou um homem lindo. Mais ainda com o terno, a gravata e os óculos. Sempre tivera uma queda por homens de óculos.

Ele devia estar chegando do almoço com os colegas, a cumprimentou com um sorriso tímido e seguiu em frente. A recepcionista ainda demoraria a liberar sua entrada, não daria tempo de se esbarrarem no elevador. E ela só conseguia lembrar seu primeiro nome. Por mais incomum que fosse, não seria suficiente para que ela o encontrasse. Mesmo em um prédio pequeno, com poucas empresas.

Lembrou-se da amiga que fora sua vizinha durante um bom tempo e perguntou se ela ainda sabia o sobrenome do menino bonito que morava no apartamento do lado. Ela sabia.

E então ela tinha em mãos seu nome. Só faltava a coragem para fazer alguma coisa com a informação. Estava ali para uma reunião e, enquanto conversava com o cliente, pensava nos olhos azuis, nos cabelos loiros, e nos óculos.

Quando saía do prédio, respirou fundo e decidiu fazer algo que jamais fizera em sua vida. Pegou seu cartão de visitas e anotou seu celular e um recado.

Pediu à recepcionista que entregasse a ele. É claro que ela sabia de quem se tratava, impossível um homem daqueles passar despercebido.

“Bom te ver de novo, mesmo que tão rapidamente. Meu contato, vamos combinar alguma coisa, lembrar dos velhos tempos.”

Agora a bola estava no campo dele, ela pensou. Saiu segura de si, mesmo que ele não ligasse, simplesmente por não ter tido medo de se arriscar.

No dia seguinte, ele ligou.

domingo, 25 de outubro de 2009

Dissonância

No espelho, só conseguia enxergar uma mulher comum, absolutamente nada de especial.

Em seus olhos, ela via uma mulher linda e interessante.

Infelizmente, as duas mulheres nunca se conheceram.

sábado, 24 de outubro de 2009

Minúcias

Ele logo percebeu que eram os detalhes, justo aqueles que ele nunca reparava, e pelos quais ela sempre brigava, o que ele mais sentia falta com a sua ausência.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Ignorância

Tem sempre um babaca que não sabe ficar quieto. Hoje tive que aturar um.

Estou eu subindo a escada do metrô, ouvindo meu iPod, qdo percebo um Zé falando alguma coisa comigo. Tirei um fone do ouvido para ver se era alguma coisa importante, só pra me arrepender.

O imbecil me olha com aquela cara super engajada e pergunta, olhando meu uniforme, se eu sei o que significa Krav Magá, ao que ele mesmo responde:

- É o desarmamento de palestinos indefesos pela força das elites israelenses. Muito legal, bonito isso.

Cara, como se eu fosse uma terrorista, defendendo uma causa super absurda, injusta, blablabla.

Sorri amarelo, mas o desgraçado não calava a boca. Para não perder a razão, simplesmente olhei pra cara dele e disse que falar sem saber das coisas é que era algo muito bonito.

Tem gente que deveria ter vergonha de abrir a boca. Pior ainda se achar culto.

Babaca

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Recomeço

Ela chegou em casa
Preparou o jantar
Tomou um banho
Vestiu um pijama
Trancou a porta
E se preparou
para a sua primeira noite sozinha.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Mudanças

Ela abriu a porta do apartamento pela primeira vez desde que havia pegado a chave na imobiliária. Mal conseguia contar o nervosismo diante da empreitada de morar sozinha pela primeira vez, misturada com a ansiedade em ver o espaço onde montaria sua nova vida.

Em vez do espaço vazio, no entanto, lá estavam as coisas do antigo proprietário ainda espalhadas pelo chão. Ela não se incomodava, ainda precisaria de tempo para organizar sua mudança, mas se pegou observando a bagunça alheia.

Eram caixas, roupas, sapatos, toalhas, até uma vara de pescar. E cigarros, muito cigarros, todos apagados e acumulados em cinzeiros improvisados e distribuídos por todos os cômodos da casa.

Evidências de uma vida que havia existido ali até então e daria espaço para a dela. Sem os cinzeiros, sem os cigarros. Com novos móveis, novas histórias.

Prova de que o mundo gira, a vida continua.

E ela ficaria bem.

sábado, 5 de setembro de 2009

Criancices

A menininha na van cutuca meu ombro:

- Por que você está com essa blusa?
- É um vestido.
- Por que você está de vestido?
- Porque eu estou indo a um casamento.
- Você vai casar?
- Não, é a minha amiga.
- Por que ela vai casar?

A minha resposta:

- Porque ela quer, ué.

A resposta do pai dela:

- Porque ela ama o príncipe dela.

Ela dá uma risadinha...

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Ventanias, portas e panelas de pressão

Cheguei em casa em meio a uma ventania, agradecendo por não ter começado a chover o tanto que todos estavam prevendo, já que estava carregando mil sacolas.

Antes de tomar banho, resolvi adiantar parte do jantar. Peguei todos os ingredientes e comecei a preparar a carne assada. Refoga, tempera, fecha a panela e fui para o banho.

Adoro banho quente depois de exercício, é uma das coisas mais relaxantes desse mundo. Qual não foi meu desespero, no entanto, ao ouvir um sonoro POOOW vindo do que imediatamente supus que fosse, é claro, a minha panela de pressão explodindo.

A verdade é que eu nunca vi uma panela de pressão explodir, então nem saberia dizer qual é o barulho que faz. Mas naquele momento, talvez pela própria Lei de Murphy, tive certeza de que só poderia ser aquela a fonte do esporro.

Enrolei-me na toalha e saí pingando pela casa num misto de pressa e vontade de nunca chegar até a minha cozinha, imaginando que o cômodo mais branco do apartamento já se encontrava num misto de molho, carne e temperos espalhados do teto ao chão, nojentamente dispostos de forma a gerar o máximo trabalho para limpar.

Cheguei na cozinha de fininho, como se não quisesse assustar ninguém, só para encontrar minha panela calmamente chiando, em seu lento processo de cozimento do meu jantar. Shhhhhhhh... Completamente diferente do maldito POOOOOOOOOOOOOOOOOW que me assustara 5 minutos antes.

Aumentei o fogo, só para garantir que eu conseguiria ouvir o sonoro chiado mesmo debaixo d'água, e tentei ignorar os estrondos provenientes de uma porta ou janela, insistentemente batendo por causa da tal ventania que anunciava a tal tempestade.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Liberdade de intrusão

As pessoas estão ficando mais abusadas, isso é um fato. Ninguém se abstém de fazer comentários a estranhos, por mais inapropriados que sejam. Eu mesma, volta e meia, me pego chamando um fulano de porco por ter jogado lixo no chão.

O interessante é que agora as pessoas estão se sentindo mais à vontade para dar lições de moral para os outros, do tipo pra fazer o lugar inteiro se concentrar na existência de um indivíduo que irá, em questão de segundos, lamentar não ter a capacidade de um avestruz, para cavar um buraco no chão e esconder a cara.

Eu já fui uma dessas vítimas, quando, outro dia, um senhor com dificuldade de fala resolveu me cutucar e perguntar se poderia me dizer um negócio. Tolinha, disse que sim. E então ele encheu a boca para dizer que eu deveria mastigar o meu chiclete com a boca mais fechada, porque era mais bonito e que ele já tinha feito muito aquilo quando era novo, blablabla. Em meio à minha vergonha, segurei a língua para não mandá-lo para aquele lugar e perguntar se tinha sido mastigar chiclete de boca aberta que tinha deixado ele falando daquele jeito. Vai que o cara teve um derrame e eu sem a tal capacidade de cavar o buraco no chão, não ia ter como fugir de uma vergonha dessa.

Engoli e fiquei quieta, mas queimando por dentro.

Ontem testemunhei a vergonha alheia.

A pobre gringa, com suas malas e Havaianas, cometeu o erro de se acomodar no banco do metrô e colocar um dos pés, descalços, sobre o banco. Com a cabeça apoiada sobre o joelho, ela conversava com a amiga em algo que eu supus ser russo, mas podia ser qualquer outra língua estranha, até Klingon.

Eu estava entre ela e uma outra mulher, que, ao levantar-se para descer em sua estação, decidiu parar para perguntar à gringa, com toda a simpatia do mundo, qual era o nome dela. Já que eu cismei que a coitada era russa, digamos, a título de ilustração, que ela tenha dito Olga.

E foi então que a mulher descarregou sobre Olga toda a sua fúria quanto ao pé sobre o banco.

- Porque aqui não é a sua casa! Na sua casa, você bota o seu pé no seu sofá! Aqui outra pessoa pode vir a sentar, não é certo você botar o pé num lugar público, em que outras pessoas sentam. E aqui não é a sua casa e nem é o seu país. Então, você tire o pé do banco!

Evidentemente, Olga a ignorou. Em parte porque não deve ter entendido picas do que a louca gritou, mas também porque achou que ela era... bem... louca! Quem é que fica gritando com estranhos assim do nada?

E eu ali, sentada, agradecendo por estar indo para casa, doida por um banho, pensando como se dizia em russo, ou em Klingon, "Desculpe, ela fugiu do Pinel. Aproveite a nossa cidade e volte sempre!".

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Pensamento do dia

"O fanatismo consiste no ato de redobrar esforços por conta de se ter esquecido dos objetivos." --- George Santayana

O fanatismo é uma contração do refinamento. O fanático redobra seus esforços para não ter que pensar e descobrir que está perdido. Quanto mais esforço, menos pensamento. O uso do esforço para compensar objetivos demonstra que o fanatismo é cego. Talvez ainda mais perverso é o fato de que o fanatismo se apresenta como uma expressão de objetivos absolutos. Esta é uma reação bastante comum no ser humano: quando ele não sabe estabelecer objetivos e crenças ele impõe objetivos e crenças a si e aos outros. É um mecanismo de defesa onde a insegurança e a dúvida são combatidas com certezas e obsessão. O fanático é um cego que não sabe que é cego.

(Rabino Nilton Bonder)

Penso, logo cogito possibilidades.

(Eu mesma, depois de ler o texto encaminhado por mamãe)

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Superstição

Hoje seria aniversário da minha avó e me peguei pensando nas coisas absurdas que ela me dizia quando estava viva.

Até hoje fico tensa quando uma vassoura se arrasta perto de mim, porque ela dizia que se alguém varresse meu pé eu nunca me casaria.

Quando boto a calcinha ao contrário, sempre olho no relógio pra ver se já passou de meio-dia, porque ela dizia que se você só perceber depois de meio-dia, não tem problema.

E quando tiro uma blusa, ou um vestido, tomo cuidado para não deixar virar do avesso, porque ela dizia que a sorte toda ia embora.

Fora a bolsa, que nunca dorme aberta, pro dinheiro não fugir, mesma razão pela qual uma bolsa minha jamais será vista no chão de lugar algum.

Engraçado eu saber o quanto nada disso faz sentido, ou tem explicação, mas vai tirar da cabeça da gente as doideiras que são afirmadas com tanta convicção pelos outros? Especialmente pelos mais velhos.

E é por isso que eu tomo muito cuidado com o que eu digo perto de criança. Na pior das hipóteses, vai que ela acredita?

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Brincadeira de criança

Quando eu era pequena, sempre tinha um adulto "pegando o meu nariz", aquela famosa brincadeira em que se mostra a pontinha do dedo pra criança e se finge ser a pontinha do nariz dela. Eu achava graça, não lembro se acreditava, mas provavelmente não.

Quando meus primos eram pequenos, eu fazia a bendita brincadeira com eles. Certa vez fiz com alguma criança que acreditou de verdade e, na hora em que eu fingi "comer o nariz dela", começou o desespero, uma crise de choro incontrolável seguida por gritos de "não, por favor não come o meu nariiiz!!!". É claro que já era tarde demais e eu tive de vomitar o nariz da chorona para devolvê-lo ao seu rosto.

Outro dia fui fazer isso com uma miúda de 5 anos de idade, eu já até tinha perguntado pra irmã dela se ela caia nessa brincadeira, mas resolvi fazer pra ver por mim mesma. Coisas da idade, não dá para resistir, é que nem apertar bochechas ou esconder o rosto por trás das mãos e perguntar para um bebê "cadê a tia Fernanda?".

A menina olhou para mim com a carinha mais solene do mundo e disse, diante da minha bobeira, que eu nem tinha pegado o nariz dela, era só a ponta do meu dedo.

Ok, essas crianças estão realmente ficando mais espertas. Talvez um dia elas nem riam mais da tia Fernanda escondidíssima atrás das mãos fechadas, ou realmente comecem a gostar mais do presente do que do embrulho, ou não achem divertido um bom brinco comprido na orelha de quem as têm no colo, ou um molho de chaves daqueles bem cheios.

Mas aí... Qual vai ser a graça?

domingo, 21 de junho de 2009

Ponto de vista

Joana estava entediada. Mais um sábado à noite sozinha em casa, agora que as amigas todas estavam namorando. Droga de namorados. Talvez ela devesse arrumar um namorado também, era bem verdade que ela queria um. Mas... Enquanto o namorado não aparecia, ela precisava achar alguma coisa para fazer.

Nada na TV... Nenhum filme bom passando... Nenhuma amiga disponível, isso era certo... Que preguiça...

E então Joana se lembrou de quando era mais nova e fazia aquelas festas do pijama regadas a pipoca e brigadeiros com as amigas e de como era engraçado ficar ligando pras pessoas, algumas conhecidas, outras nem tanto, e passar trotes. Nada demais, só bobeira.

Abriu o jornal e pegou alguém dos classificados. Pedro. Aparentemente, o Pedro estava querendo vender equipamento esportivo. Devia ser novo, perfeito. Pegou o telefone e discou.

Atenderam.

- Oi, amor! - ela não perdeu tempo.

- Quem é? – merda, era uma mulher do outro lado.

Ok, talvez ela já tivesse passado da idade de fazer essas coisas...




Pedro já namorava Marina há 3 anos e sabia que era a hora de se comprometer. Ela sempre dizia que alguma hora ele teria de crescer, parar de se embrenhar em tantos lugares perigosos e botar sua vida em risco com aqueles esportes radicais. Ele gostava da adrenalina, mas gostava muito mais dela.

Foi por isso que ele resolveu colocar seus equipamentos à venda e comprar um anel pra ela. Já até sabia que anel, ela havia gostado dele numa vitrine há um tempo. Estava tudo planejado, decidiu até o que fazer com o que sobrasse do dinheiro, o investimento. Tudo perfeito.

Naquele sábado, Pedro ia começar a preparar o terreno para o pedido. Queria que Marina soubesse o quanto a amava todos os dias, que ela entendesse o quanto era importante. Preparou um jantar romântico e comprou ingressos pro show da sua cantora favorita. Faltava pouco. Mais algumas vendas e ele já estaria com tudo acertado.

Marina chegou antes da hora, ele ainda terminava de preparar a comida quando a campainha tocou. Tudo bem, ele só precisava tomar um banho, botar uma roupa bonita, o perfume favorito dela...

Enquanto estava no chuveiro, o telefone tocou.

- Amor, atende pra mim?




Marina entrou no táxi para ir pra casa do namorado. Eles já estavam juntos há 3 anos e ela sabia que o relacionamento não tinha futuro. Pedro era legal, eles se davam bem, mas eles eram também muito diferentes.

Ela sempre quis estudar fora, fazer uma pós, morar um tempo na Europa, conhecer cidades diferentes, museus, História, tanta coisa para ser descoberta. Mas Pedro só queria saber de escalar montanhas, descer rios, fazer trilhas, se arrebentar de moto, quebrar a perna jogando rugby.

Na verdade, ela estava cansada. É claro que ela não queria alguém igual a ela, seu ex, Gabriel, gostava das mesmas coisas, pensava praticamente do mesmo jeito e não tinha opinião própria. Como aquilo era irritante.

Uma das principais razões para ela ter se apaixonado por Pedro era sua espontaneidade. Mas não dava pra tudo ser assim. Ele não fazia planos, ele não gostava de nada do que ela gostava e ela definitivamente não gostava das mesmas coisas que ele.

Depois de tanto tempo juntos, ela já havia se acostumado. Eles tinham dificuldade de se ver tempo suficiente até para discutir a relação, e ele estava sempre cansado demais até para brigar. Ela sabia que as coisas não estavam bem e ela precisava tomar alguma providência. Assim que a oportunidade surgisse...

Ela tocou a campainha. Ainda estava cedo demais, ele tinha marcado o jantar às 20, ainda eram 19:30, mas ela estava muito angustiada para ficar em casa mais um minuto sequer. Pedro atendeu a porta ainda de pijama, com um pouco de molho no rosto e no cabelo. O jantar já estava pronto, ele garantiu, mas ele precisava de um banho.

Enquanto esperava ele ficar pronto, o telefone tocou. Marina odiava atender o telefone dele, mesmo depois de tanto tempo, mas o fez porque ele pediu.

- Oi, amor!

- Quem é?

A mulher do outro lado do telefone desligou na sua cara e ela queria jogar o aparelho na parede de tanto ódio.

- Quem era? – perguntou Pedro enquanto enxugava o cabelo.

- Alguma vadia que parecia conhecer você muito bem.

- Hein?

- Eu atendi o telefone e uma mulher disse “oi, amor” antes mesmo de eu dizer alô.

- Deve ter sido engano.

- Claro, engano. Deve ter sido por isso que ela desligou assim que eu perguntei quem era. Pedro, eu tenho cara de palhaça?

- Claro que não, Marina, mas eu também não sei quem era que estava ligando, olha só, eu nem conheço esse telefone. Só pode ter sido engano. De repente foi até algum amigo meu querendo me sacanear, sei lá.

- Chega, Pedro. Cansei dessa merda. Eu queria conversar com você antes, mas também não vou ser tratada desse jeito. Depois de 3 anos, eu achava que merecia algum respeito.

- Marina?!

Ela bateu a porta ao sair do apartamento de Pedro pela última vez. Ela sabia que ele era irresponsável, mas jamais imaginaria que ele fosse capaz de traição.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Da simplicidade das coisas

Ela recebeu seu poema. Mais um de tantos. A verdade sobre seus poemas é que ela não os entendia. Sempre a faziam lembrar das aulas de literatura na escola, da professora mostrando poemas para interpretação de texto. Eles eram curtos, eram simples. Embora ela também não os entendesse. Nunca se deu bem com essa coisa de subjetividade, de entender uma coisa onde parecia estar escrita outra.

Ela acreditava em ser direta.

E lá estava o novo poema. Talvez fosse sobre amor, talvez fosse sobre outra coisa. Complicado esse negócio de subjetividade. Esquisito ler aquelas frases longas, com tantas vírgulas e apostos – sim, ela sabia o que eram apostos – e adjetivos e advérbios e exageros. Frases intermináveis, que pareciam dar voltas ao redor de si mesmas, como correndo atrás dos próprios rabos, sem chegar a lugar nenhum.

Todas tão cheias de sentimento, um que quase nunca parecia algo bom, que nunca a fez sentir-se bem ao ler. Talvez não fosse um poema de amor. Talvez fosse sobre perda. Talvez fosse realmente triste.

Era pior do que não entendê-los, seus poemas a faziam sentir-se burra. Como se devesse saber o que ele queria dizer, se não por saber ler, porque ela o conhecia. Mas ela não entendia. Ela se perdia na segunda frase, perdia o interesse e sentia-se mal. Sentia-se culpada. Ela deveria saber...

E lá estava seu novo poema, tão enigmático quanto os outros, rodopiando com seus conceitos rocambolescos, e ela mais uma vez no meio do labirinto.

Então ela desistiu de entender. Decidiu que não era problema dela não entender.

O problema era dele, por não saber como dizer.